Quem sou eu

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Porque somos feito as estações, sempre mudando...

domingo, 4 de dezembro de 2016

ÚLTIMA PÁGINA

Mais uma vez o tempo me assusta. 
Passa afobado pelo meu dia, 
Atropela minha hora, 
Despreza minha agenda. 
Corre prepotente, 
A disputar lugar com a ventania. 
O tempo envelhece, não se emenda. 
Deveria haver algum decreto 
Que obrigasse o tempo a desacelerar 
E a respeitar meu projeto. 
Só assim, eu daria conta 
Dos livros que vão se empilhando, 
Das melodias que estão me aguardando, 
Das saudades que venho sentindo, 
Das verdades que ando mentindo, 
Das promessas que venho esquecendo, 
Dos impulsos que sigo contendo, 
Dos prazeres que chegam partindo, 
Dos receios que partem voltando. 
Agora, que redijo a página final, 
Percebo o tanto de caminho percorrido 
Ao impulso da hora que vai me acelerando. 
Apesar do tempo, e sua pressa desleal, 
Agradeço a Deus por ter vivido, 
Amanhecer e continuar teimando..


(Flora Figueiredo)


                                              (imagem google)

O blog entra em pausa para tomar um fôlego.
A todos que passam por aqui, desejo boas festas e um lindo inicio de 2017.
Que tenhamos paz, leveza e amor no coração e possamos enfeitar sempre nossa alma com poesia, a fim de tornar  mais doce, o olhar.
Abraços aos amigos.

domingo, 27 de novembro de 2016

ÚLTIMO ENCONTRO

Nosso último encontro foi muito agradável.
Primeiro cada uma escreveu uma carta a si mesma, as quais guardei com muito cuidado, para ser entregue e usada por elas no próximo ano, em nova atividade.
Depois fizemos o sorteio da amiga secreta, o que foi bem divertido, já que nas três primeiras tentativas, sempre uma de nós tirava seu próprio nome.
Após a entrega dos presentes, pudemos degustar de um delicioso lanche, oferecido carinhosamente por uma das participantes.
Este ano, várias delas -carinhosamente- abriram a porta da sua casa para nos reunirmos, tornando assim, os encontros acolhedores e agradáveis. 
Queridas amigas, obrigada a cada uma de vocês, pela rica oportunidade de trocar experiências ao longo do ano.
(Carol e Sônia)
                                      ( Foto do encontro feita por Tininha)
                                      CANTA E DANÇA MULHER
"Lembra mulher de quando teus pés descalços pisavam na terra molhada, depois da tempestade tão esperada.
Recorda quando teus ouvidos sabiam compreender as mensagens que o vento assoprava para o teu espírito.

Inspira fundo e sente o aroma daquela época onde viveste próxima aos frutos e às flores e tudo acontecia em tempo certo, sem apressamentos.

Compreende que teu corpo e tua alma obedeciam à voz da Grande Mãe, e tua vida fluia plena de sabedoria, pois tu representavas a Deusa, o Sagrado Feminino, e de ti resplandecia toda a generosidade.

Recorda que conhecias bem os mistérios da lua, tua irmã, e te guiavas por instintos e intuições, sonhavas com as respostas e cheia de confiança em teu coração guiava a tua vida e de tantos outros por caminhos seguros.

Tua natureza, sempre disposta a dar vida e dela cuidar, ligada por estreitos laços aos ritmos e ciclos do universo, sabia cantar e dançar, e assim espalhava alegria pelo norte, pelo sul, pelo leste e pelo oeste, sem perder o teu centro.

Rosa dos ventos e dos tempos, hoje estás novamente aqui, mas não te esqueça jamais de continuar a cumprir o teu sagrado papel.
O Universo ainda carece do teu feminino...

Ah! Então canta e dança
E o destino dos homens se cumprirá!"

(Autoria desconhecida)

sábado, 12 de novembro de 2016

ORAÇÃO AO TEMPO

Tudo o que lhe peço, Tempo, é que me salve do meu coração. Dessa entrega absurda de ir até o outro e me deixar sem mim.
O que lhe peço, Tempo, é o caminho do meio. Aprender a receber antes de me entregar. Ver além.
Peço que me devolva a mim mesma. Que eu me reconheça e me acolha. Me aqueça em meus buracos escuros e definitivamente me toque. Que eu saiba cuidar somente do que me cabe. E deixe ir. E deixe vir. Natural, inteira e suavemente. 
Que a vida me encontre distraída, sem a ânsia de buscar o que não sei. O que não vale. O que não é. 
O que lhe peço, Tempo, é a aceitação do tempo e da vida como ela é. Sei que ela me aguarda plena e legítima. Mostre a ela o caminho até mim. Enquanto isso, me adormeça em paz até que a verdade me alcance como um beijo. Tire de mim essa ânsia de ser feliz, inverta a ordem das coisas e assopre no ouvido da alegria o momento de me capturar sem volta. 
Que eu me aquiete na paz do merecimento, sem dar um passo ou um pio. Que apenas contemple. Que eu resista à tentação de correr para o que ainda não está pronto. Que eu me apronte para a surpresa de um dia simples.
Que eu acorde como quem nasce.
Amém.
(Cris Guerra)

(imagem google

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

UM POUCO DE SILÊNCIO

Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho, gostar de sossego é uma excentricidade.
Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar, ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma infinidade de obrigações, muitas desnecessárias, outras impossíveis.
Não há perdão nem anistia para os que ficam de fora da ciranda: os que não se submetem mas questionam, os que pagam o preço de sua relativa autonomia, os que não se deixam escravizar, pelo menos sem alguma resistência.
O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado.
É indispensável circular, estar enturmado. Quem não corre com a manada praticamente nem existe, se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho.
Acuados pelo relógio, pelos compromissos, pela opinião alheia, disparamos sem rumo – ou em trilhas determinadas – feito hâmsteres que se alimentam da sua própria agitação.
Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença.
Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo, ameaça quem leva um susto cada vez que examina sua alma.
Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de que não se arrumou ninguém – como se amizade ou amor se “arrumasse” em loja. Com relação a homem pode até ser libertário: enfim só, ninguém pendurado nele controlando, cobrando, chateando. Enfim, livre!
Mulher, não. Se está só, em nossa mente preconceituosa é sempre porque está abandonada: ninguém a quer.
Além do desgosto pela solidão, temos horror à quietude. Logo pensamos na depressão: quem sabe terapia e antidepressivo? Criança que não brinca ou salta nem participa de atividades frenéticas está com algum problema.
O silêncio nos assusta por retumbar no vazio dentro de nós. Quando nada se move nem faz barulho, notamos as frestas pelas quais nos espiam coisas incomodas e mal resolvidas, ou se enxerga outro ângulo de nós mesmos. Nos damos conta de que não somos apenas figurinhas atarantadas correndo entre casas, trabalho e bar, praia ou campo.
Existe em nós, geralmente nem percebido e nada valorizado, algo além desse que paga contas, transa, ganha dinheiro, e come, envelhece, e um dia (mas isso é só para os outros!) vai morrer. Quem é esse afinal sou eu? Quais seus desejos e medos, seus projetos e sonhos?
No susto que essa ideia provoca, queremos ruído, ruídos. Chegamos em casa e ligamos a televisão antes de largar a bolsa ou pasta. Não é para assistir a um programa: é pela distração.
Silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso. Com medo de ver quem – ou o que – somos, adia-se o defrontamento com nossa alma sem máscaras.
Mas, se agente aprende a gostar um pouco de sossego, descobre – em si e no outro – regiões nem imaginadas, questões fascinantes e não necessariamente ruins.
Nunca esqueci a experiência de quando alguém botou a mão no meu ombro de criança e disse:
- Fica quietinha, um momento só, escuta a chuva chegando.
E ela chegou: intensa e lenta, tornando tudo singularmente novo. A quietude pode ser como essa chuva: nela a gente se refaz para volta mais inteiro ao convívio, às tantas fases, às tarefas, aos amores.
Então, por favor, me deem isso: um pouco de silêncio bom para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas lajes, e tudo o que fala muito além das palavras de todos os textos e da música de todos os sentimentos.

(Lya Luft)

                      (imagem google)

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

ENCONTRO DE OUTUBRO


No encontro do mês, usamos uma cronica de Khalil Gibran que nos proporcionou reflexões muito ricas. 
Quem sou eu? 
Mãe, esposa, filha, irmã, profissional, amiga...
Entre tantos papéis vividos diariamente, sobra tempo para eu cuidar da minha  essência de forma amorosa ou me afasto dela, do que desejo e a sufoco entre o que esperam de mim?  
O que faço para alimentar o meu eu, me refazer mental e emocionalmente e me conectar com minha essência? 
Estas foram algumas questões da nossa roda de conversas, um encontro com uma linda partilha de  sentimentos, num clima de carinho, alegria e cumplicidade. 

Abaixo compartilhamos a crônica que nos inspirou:


                                    O LOUCO 
No pátio de um manicômio encontrei um jovem com rosto pálido, bonito e transtornado.
Sentei-me junto a ele sobre a banqueta e lhe perguntei: - “Por que você está aqui?” 
Olhou-me com olhar atônito e me disse:
- “É uma pergunta pouco oportuna a tua,
mas vou respondê-la.
Meu pai queria fazer de mim um retrato dele mesmo, e assim também meu tio.
Minha mãe via em mim a imagem de seu ilustre genitor.
Minha irmã me apontava o marido, marinheiro, como o modelo perfeito para ser seguido.
Meu irmão pensava que eu devia ser idêntico a ele: um vitorioso atleta.
E mesmo meus mestres, o doutor em filosofia, o maestro de música e o orador, eram bem convictos:
cada um queria que eu fosse o reflexo
de seu vulto em um espelho.
Por isso vim para cá.
Acho o ambiente mais sadio.
Aqui pelo menos posso ser eu mesmo”.

(Khalil Gibran)

                                       (imagem google)

terça-feira, 4 de outubro de 2016

CARDÁPIO DA ALMA

Arroz, feijão, bife, ovo. Isso nós temos no prato, é a fonte de energia que nos faz levantar de manhã e sair para trabalhar. Nossa meta primeira é a sobrevivência do corpo. Mas como anda a dieta da alma? Outro dia, no meio da tarde, senti uma fome me revirando por dentro. Uma fome que me deixou melancólica. Me dei conta de que estava indo pouco ao cinema, conversando pouco com as pessoas, e senti uma abstinência de viajar que me deixou até meio tonta. Minha geladeira, afortunadamente, está cheia, e ando até um pouco acima do meu peso ideal, mas me senti desnutrida.

Você já se sentiu assim também, precisando se alimentar?

Revista, jornal, internet, isso tudo nos informa, nos situa no mundo, mas não sacia. A informação entra dentro da casa da gente em doses cavalares e nos encontra passivos, a gente apenas seleciona o que nos interessa e despreza o resto, e nem levantamos da cadeira neste processo. Para alimentar a alma, é obrigatório sair de casa. Sair à caça. Perseguir.

Se não há silêncio a sua volta, cace o silêncio onde ele se esconde, pegue uma estradinha de terra batida, visite um sítio, uma cachoeira, ou vá para a beira da praia, o litoral é bonito nesta época, tem uma luz diferente, o mar parece maior, há menos gente.

Cace o afeto, procure quem você gosta de verdade, tire férias de rancores e mágoas, abrace forte, sorria, permita que lhe cacem também. Cace a liberdade que anda tão rara, liberdade de pensamento, de atitudes, vá ao encontro de tudo que não tem regras, patrulha, horários.

Cace o amanhã, o novo, o que ainda não foi contaminado por críticas, modismos, conceitos, vá atrás do que é surpreendente, o que se expande na sua frente, o que lhe provoca prazer de olhar, sentir, sorver. Entre numa galeria de arte. Vá assistir a um filme de um diretor que não conhece. Olhe para sua cidade com olhos de estrangeiro, como se você fosse um turista. Abra portas. E páginas.

Arroz, feijão, bife, ovo. Isso me mantém de pé, mas não acaba com meu cansaço diante de uma vida que, se eu me descuido, torna-se repetitiva, monótona, entediante. Mas nada de descuido. Vou me entupir de calorias na alma. Há fartas sugestões no cardápio. Quero engordar no lugar certo. O ritmo dos dias é tão intenso que às vezes a gente esquece de se alimentar direito.

(Martha Medeiros)

                          (Foto: Maurinei)

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

VIDA QUE AFLORA

Para receber a primavera escolhi um artigo que gosto muito, do livro "Viver em Plenitude", de Richard Simonetti.
Embora o post seja um tanto longo, tenho certeza que a leitura vai valer a pena.

"...Há um interessante artigo da escritora Nardi Reeder Campion, publicado pela revista Seleções, janeiro de 1987, sob o sugestivo título: É Fácil  Ser Feliz.
Ela reporta-se a uma época difícil de sua vida. Havia mudado de cidade em função da atividade profissional do marido. Não conseguira adaptar-se à nova situação. Sentia-se muito deprimida.
Cero dia, arrumando alguns pertences, encontrou um livro encadernado. Era o diário de uma tia avó, já falecida, que morara com seus pais. Lembra-se bem dela, com quem convivera durante sua infância. Seu traço mais marcante era a jovialidade. Além de nunca reclamar, conservara meigo sorriso. Diziam que ela era capaz de ver sempre o lado bom das pessoas.
Curiosa Nardi abriu o diário.
Uma surpresa: em primeiro lugar a tia confessava-se infeliz. Tivera um namorado a quem amara muito. Ele morrera. Sem uma profissão definida, Grace morava com familiares. Nessa dependência, sem realizar seu sonho matrimonial, vivia tormentosa frustração. E escreveu no diário:
"Minha situação não vai mudar, o noivo não vai voltar. Portanto quem deve modificar-se sou eu. Tenho meditado sobre meus problemas. Para superá-los estabelecerei um conhjunto de normas simples que procurarei por em prática. Queira Deus que este plano me liberte da desolação em que vivo".
E transcreveu o que se propunha a cumprir diariamente:
"Fazer algo por outra pessoa".
"Fazer algo por mim mesma".
"Fazer algo que não tenha vontade mas que precisa ser feito".
"Fazer um exercício físico.
"Fazer um exercício mental".
"Fazer uma oração, que inclua agradecimentos a Deus pelas bençãos recebidas".
Grace comentava que se limitara aquelas regras por sentir que representavam uma quantidade praticável.
E anotara sua experiências:
Algo por outra pessoa: comprou mocotó e fez uma geleia para uma amiga doente.
Algo por si mesma: enfeitou um velho chapéu com flores artificiais e um véu; recebeu muitos elogios e considerou bem empregado o dinheiro e o tempo que gastou .
Algo que não tenha vontade mas que precisa ser feito: arrumou um armário de roupa de cama e mesa, lavou três duzias de lençóis e deixou que secassem ao sol e tornou a guarda-los, bem dobrados, com sachês de alfazema.
Exercício físico: começou a jogar croquê e a caminhar até a aldeia, dispensando a charrete.
Ginástica mental: iniciou a leitura, um capítulo diário, do livro "O cavalo Negro", de Charles Dickens, que estava na moda.
Houve problemas com a última norma, a oração. Não conseguia concentrar-se na igreja. Ficava reparando nos outros. Por fim, encontrou a solução. Orava a sós, numa pedra perto do riacho que passava próximo à sua casa. Pedia a Deus que a ajudasse a florescer onde estava plantada. Depois agradecia asa bençãos recebidas, a começar pela família, sem a qual se sentiria abandonada e perdida.

Nardi emocionou-se com a singeleza da tia. Mas esqueceu o assunto. Afinal era uma mulher moderna, que n]ao iria solucionar seus problemas com fórmulas antigas de uma tia solteirona.
No entanto, continuou deprimida e certo dia, em que estava particularmente angustiada, lembrou-se de tias Grace. E se experimentasse sua fórmula? Não custava tentar...
Começou fazendo algo por alguém.
Telefonou para uma vizinha, a sra Phillips, de 85 anos, que estava doente e vivia sozinha. Uma das curiosas frases de tia Grace não lhe saia da cabeça:
"Só eu mesma posso tomar a iniciativa de deixar o sarcófago do egoísmo".  
telefonou para a velhinha. esta a convidou para o chá. Foi um ponto de partida. A sra Phillips ficou encantada por ter com quem conversar. E disse, em meio à conversa:
"Às vezes, o que deve ser feito e não temos vontade é a primeira coisa que devemos fazer, até para que deixemos de nos preocupar com o assunto".
Nardi voltou para casa impressionada com o discernimento da nova amiga. Ela tinha lançado nova luz sobre a terceira regra de tia Grace. Desde a mudança adiava o trabalho de por em ordem uma escrivaninha. resolveu arrumar tudo. Organizou o arquivo. Enfeitou a mesa. Sentiu-se feliz ao terminar a tarefa tantas vezes negligenciada.

Cumprindo a segunda regra preparou um banho de imersão com ervas medicinais. Isto lhe dava enorme be-estar. Em princípio ganhou algumas da sra Phillips. Depois decidiu ela própria cultivá-las. Com as ervas aprendeu a confeccionar sachês aromáticos que oferecia de presente, alegrando as pessoas. Percebeu que fazer algo por si mesma acabava se transformando em fazer algo pelos outros, e vice-versa, enriquecendo sua existência.
Quanto ao exercício físico pensou em correr, mas não levava jeito. O marido sugeriu que andasse.Iria junto. Começaram a fazê-lo pela manhã, antes do café. Descobriram que andar juntos era um estímulo maravilhoso para se comunicarem conversando. Gostaram tanto que substituíram a bebida que costumavam tomar à tarde por outra caminhada.
Para ginástica mental diária matriculou-se num, curso de poesia, cujo professor valorizava a memória. E Nardi desenvolveu-a decorando poesias. depois divertia-se me filas e salas de espera declamando, em pensamento, as poesias decoradas.
Não dispunha de uma pedra à beira do rio para oração, como tia Grace, mas descobriu uma igrejinha humilde, onde se isolava num horário tranquilo. Ali meditava e se ligava ao Céu.
"Será que a vida pode ser vivida de acordo com uma receita?" - pergunta Nardi ao final do artigo.
E responde:
"Só sei que desde que comecei a seguir esses preceitos, tornei-me mais dedicada aos outros e, consequentemente, menos preocupada comigo mesma. Em vez de me lamentar, adotei o lema de tia Grace: "Florescer onde estou plantada".

E você, está pronta para florescer nessa primavera, no lugar em que está plantada?
Eu desejo sinceramente  que sim... (Sônia A)
                                               (imagem google)

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

DESAPOSENTAR

Ele chegou à praça com uma marreta. Endireitou a estaca de uma muda de árvore e firmou batendo com a marreta.
Amarrou a muda na estaca e se afastou como pra olhar uma obra de arte.
Não resisti a puxar conversa:
- O senhor é da prefeitura?
- Não, sou da Alice, faz quarenta e dois anos. Minha mulher.
- Ah... O senhor quem plantou essa muda?
-Não, foi a prefeitura.
Uma árvore velha caiu, plantaram essa nova de qualquer jeito, mas eu adubei, botei essa estaca aí.
Olha que beleza, já está toda enfolhada. De tardezinha eu venho regar.
- Então o senhor gosta de plantas.
- De plantas, de bicho, até de gente eu gosto, filho.
- Obrigado pela parte que me cabe...
Ele sorriu, tirou um tesourão da cinta e começou a podar um arbusto.
- O senhor é aposentado?
- Não, sou desaposentado.
Foi podando e explicando:
- Quando me aposentei, já tinha visto muito colega aposentar e murchar, que nem árvore que você poda e rega com ácido de bateria...
Sabia que tem comerciante que rega árvore com ácido de bateria pra matar, pra árvore não encobrir a fachada da loja?
É... aí fica com a loja torrando no sol!
Picotou os galhos podados, formando um tapete de folhas em redor do arbusto.
- É bom pra terra... tudo que sai da terra deve voltar pra terra...
Mas então, eu já tinha visto muito colega aposentar e murchar.
Botando bermuda e chinelo e ficando em casa diante da televisão.
Bundando e engordando...
Até que acabaram com derrame ou infarto, de não fazer nada e ainda viver falando de doença.
Cortou umas flores, fez um ramalhete:
- Pra minha menina. A Alice. Ela é um ano mais velha que eu, mas fica uma menina quando levo flor.
Ela também é desaposentada.
Ajuda na escola da nossa neta, ensinando a merendeira a fazer doce com pouco açúcar e salgados com os restos dos legumes que antes eram jogados fora. E ajuda na creche também, no hospital.
Ihh... A Alice vive ajudando todo mundo, por isso não precisa de ajuda, nem tem tempo de pensar em doença.
Amarrou o ramalhete com um ramo de grama, depositou com cuidado sobre um banco.
- Pra aguar as mudas eu tenho que trazer o balde com água lá de casa.
Fui à prefeitura pedir pra botarem uma torneira aqui.
Disseram que não, senão o povo ia beber água e deixar vazando.
Falei pra botarem uma torneira com grade e cadeado que eu cuidaria.
Falaram que não.
Eu teria que ficar com o cadeado e então ia ser uma torneira pública com controle particular, e não pode.
Sorriu, olhando a praça.
Aí falei: então posso cuidar da praça, mas não posso cuidar de uma torneira?
Perguntaram, veja só, perguntaram se tenho autorização pra cuidar da praça!
Nem falei mais nada. Vim embora antes que me proibissem de cuidar da praça...
Ou antes que me fizessem preencher formulários em três vias com taxa e firma reconhecida, pra fazer o que faço aqui desde que desaposentei...
Ta vendo aquele pinheiro fêmea ali?
A Alice que plantou.
Só tinha o pinheiro macho. Agora o macho vai polinizar a fêmea e ela vai dar pinhões.
- Eu nem sabia que existe pinheiro macho e pinheiro fêmea.
- Eu também não sabia, filho.
Ihh... aprendi tanta coisa cuidando dessa praça!
Hoje conheço os cantos dos passarinhos, as épocas de floração de cada planta, e vejo a passagem das estações como se fosse um filme!
- Mas ela vai demorar pra dar pinhões, hein? - falei, olhando a pinheirinha ainda da nossa altura.
Ele respondeu que não tinha pressa.
- Nossa neta é criança e eu já falei pra ela que é ela quem vai colher os pinhões.
Sem a prefeitura saber... e a Alice falou que, de cada pinha que ela colher, deve plantar pelo menos um pinhão em algum lugar.
Assim, no fim da vida, ela vai ter plantado um pinheiral espalhado por aí.
Sem a prefeitura saber, é claro, senão podem criar um imposto pra quem planta árvores...
- É admirável ver alguém com tanta idade e tanta esperança!
Ele riu:
- Se é admirável eu não sei, filho, sei que é gostoso.
E agora, com licença, que eu preciso pegar a Alice pra gente caminhar.
Vida de desaposentado é assim: o dinheiro é curto, mas o dia pode ser comprido, se a gente não perder tempo!
(Domingos Pellegrini)

                                     (Imagem Google)

sábado, 20 de agosto de 2016

ENCONTRO DE AGOSTO

"Numa terra em guerra havia um rei que causava espanto. Sempre que fazia prisioneiros, não os matava: Levava-os a uma sala onde havia um arqueiro do lado de uma imensa porta de ferro, sobre a qual viam-se gravadas figuras de caveiras cobertas por sangue. Nesta sala ele os fazia enfileirar-se em círculo e dizia-lhes então:

- Vocês podem escolher entre morrer a flechadas por meus arqueiros ou passarem por aquela porta que será trancada logo após sua passagem.

Todos escolhiam serem mortos pelos arqueiros. Ao terminar a guerra, um soldado que por muito tempo servia ao rei se dirigiu ao soberano:

- Senhor, posso lhe fazer uma pergunta?

- Diga soldado.

- O que havia por detrás da assustadora porta?

- Vá e veja você mesmo.

O soldado então, abre vagarosamente a porta e, na medida em que o faz, raios de sol vão adentrando e clareando o ambiente. E, finalmente, ele descobre, surpreso, que a porta se abria sobre um caminho que conduzia à liberdade!!! O soldado, admirado, apenas olha seu rei, que diz:

- Eu dava a eles a escolha, mas preferiram morrer a se arriscar a abrir esta porta". 

(Desconheço autoria)

Essa foi a parábola que usamos na reunião que tivemos ontem. 
Ao ler, cada qual o interpretou de  forma diferente, baseada em sua vivência.
Medos, sonhos, oportunidades, limitações, realizações, arrependimentos, escolhas, foram palavras chave atribuídas  na leitura pessoal de cada uma ,  o que  nos possibilitou tecer uma rica troca de experiências.
Após a roda de conversas fizemos um  exercício com tapotagem e finalizamos com uma visualização, ao som de uma música xamanica e essência de lavanda borrifada no ar.


                                imagem google

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

UM CAFÉ E UMA SAUDADE

Meu pai foi um homem muito simples, nunca aprendeu a ler e escrever. 
Na infância e adolescência o via como alguém de quem eu gostava muito, mas o qual, eu pouco  conhecia. 
Sabia apenas que era alguém que apreciava  passarinhos, flores, café e contar causos. 
Isso porque sempre fui mais próxima da mãe, com a qual passava a maior parte do tempo, embora fossemos de geração diferente e ela pouco falava de si, éramos boas amigas.  
Já fazem vinte anos que ela partiu, quando isso aconteceu me aproximei muito do meu pai.
Tive então a oportunidade de conhecer  o homem maravilhoso que ele era, dono de um coração carregado por  enorme amor pela vida, alegria genuína , fé, coragem e uma força interna muito grande.
Força que se fez mais presente em dois tristes momentos , quando ele despediu-se da esposa, com a qual viveu um casamento de 51 anos e apenas três meses depois, do filho mais velho. 
Mesmo envolto em sua própria dor e tristeza, sempre nos recebeu com um largo sorriso nos lábios, nos mostrou que a vida segue em frente, que as lembranças amadas são  permanentes em nosso coração.
Choramos várias vezes em meio a essas  lembranças e depois de cada derramar de lágrimas ele nos confortava com uma palavra amável e uma xícara de café quentinho. 
A última vez que nos vimos conversamos e rimos muito, eu o abracei e disse o quanto o amava. Como é bom quando aproveitamos os momentos para demostrar nosso amor, pois uma semana depois ele partiu para pátria espiritual, mas antes, despediu-se de cada filho presente, eu por morar longe não estava e segundo minha irmã, suas últimas palavras foram: "dá um beijo em todos" .
Como não amar e ter um orgulho enorme dessa pessoa, que mesmo em momento de dor física pensou naqueles que lá não estavam e nos acarinhou com seu beijo?
Como domingo comemora-se o dia dos pais, senti vontade de fazer um post falando dele.
Alguém que há nove anos abraço sempre em minhas orações e de quem sinto enorme saudade. 
Amor eterno!

(Sônia A.)








segunda-feira, 1 de agosto de 2016

VIOLINOS NÃO ENVELHECEM

Eu a escrevi faz muito tempo - uma estória de amor. Quem a leu, eu sei, não se esqueceu.
Por razão do dito pela Adélia: "o que a memória ama fica eterno". História de amor não inventada, acontecida, tão comovente quanto Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa. O que fiz foi só registrar o acontecido.

Preciso contá-la de novo, para benefício daqueles que não a leram pela primeira vez, e a fim de acrescentar um final novo, inesperado, acontecido depois.
A testemunha que me relatou o sucedido foi sobrinho, médico-músico, pessoa querida e bonita.

Atrasou-se para um compromisso na minha casa, chegou três horas depois, explicando que havia ido ao velório de um tio de 81 anos de idade que morrera de amor. Parece que seu velho corpo não suportara a intensidade da felicidade tardia, e os seus músculos não deram conta do jovem que, repentinamente, dele se apossara.

O amor surgira no tempo em que ele é mais puro: a adolescência.
Mas naqueles tempos havia uma outra Aids, chamada tuberculose, que se comprazia em atacar as pessoas bonitas, os artistas, os apaixonados - esses eram os grupos de risco.
Pois ela, a tuberculose, invejosa da felicidade dos dois, alojou-se nos pulmões do moço, que teve de ir em busca de ar puro, no alto das montanhas, sanatório, tal como Thomas Mann descreve em seu livro -A montanha mágica.

Quem ia para tais lugares despedia-se com um "adeus", um olhar de "nunca mais".
Na melhor das hipóteses, muitos anos haveriam de passar antes do reencontro.
Imagino o sofrimento da jovem dividida: o corpo, naquela casa, a alma por longe terra!
Na vida daquela menina, que surda, perdida guerra...(Cecília Meireles).
Valeram mais os prudentes conselhos da mãe e do pai: não trocar o certo pelo duvidoso.

Vale mais um negociante vivo que um tuberculoso morto. E aconteceu com ela o que aconteceu com a Firmina Dazza, que de longe e às escondidas namorava o Fiorentino Ariza, na estória de Gabriel García Márquez, Amor nos tempos do cólera, que foi obrigada pelo pai a se casar com o doutor Urbino: não se troca um médico por um escriturário. Casou e com ele ficou até que, depois de 51 anos, veio a libertação...

Ela casou. Ele casou. Nunca mais se viram. Quando ele tinha 76 anos, ficou viúvo. Quando ela tinha 76 anos (ele tinha 79), ela ficou viúva. E ficou sabendo que ele estava vivo. A curiosidade e a saudade foram fortes demais. Foi procurá-lo. Encontraram-se. E, de repente, eram namorados adolescentes de novo.

Resolveram casar-se. Os filhos protestaram. Eles, os filhos, todos os filhos, não suportam a idéia de que os velhos também têm sexo. Especialmente os pais. Pais velhos devem ser fofos, devem saber contar estórias, devem tomar conta dos netos. Mas velho apaixonado é coisa ridícula. Não combina. Mais detalhes no livro da Simone de Beauvoir sobre a velhice. E houve também aquela estória do programa Você decide: o velho pai, infeliz a vida inteira com a esposa, encontra uma mulher por quem se apaixona.

A pergunta: ele deve ou não deve deixar a esposa para viver o novo amor? Você decide... A decisão do público - os filhos, evidentemente: "Não, ele não deve viver o novo amor..."
Os filhos sempre decidem contra o amor dos pais.

Mas, na nossa estória, os dois velhos deram uma solene banana para os filhos e foram viver juntos em Poços de Caldas. Viveram um ano de amor maravilhoso, e ele até começou a escrever poesia e voltou a tocar  o violino que ficara por mais de 50 anos sobre um guarda roupa, porque a esposa não gostava de música de violino. Confessou ao sobrinho: "Se Deus me der dois anos de vida com esta mulher, minha vida terá valido a pena..." Bem que Deus quis. Mas o corpo não deixou. Morreu de amor, como temia o Vinícius.

Achei a estória tão bonita que a transformei numa crônica a que dei um título inspirado nas Sagradas Escrituras: "..e os velhos se apaixonarão de novo".
Começa aqui o novo final para a estória.
Passaram-se semanas. Eram dez horas. Eu estava trabalhando no meu escritório. O telefone tocou.
Voz aveludada de mulher do outro lado.

- É o professor Rubem Alves?
- Sim, respondi secamente. Eu sou sempre seco ao telefone.
- Quero agradecer a belíssima crônica que o senhor escreveu com o título: " ...e os velhos se apaixonarão de novo". O senhor já deve ter adivinhado quem está falando....
- Não, respondi. Por vezes eu sou meio burro. Aí ela se revelou:
- Sou a viúva.

Foi o início de uma deliciosa conversa de mais de 40 minutos, interurbano, em que ela contou detalhes que eu desconhecia. O medo que ela teve quando ele resolveu mandar consertar o violino! Ela temia que os dedos dele já estivessem duros demais...

Ah! Que metáfora fascinante para um psicanalista sensível! Sim, sim! Nem os violinos ficam velhos demais, nem os dedos ficam impotentes para produzir música! E aí foi contando, contando, revivendo, sorrindo, chorando - tanta alegria, tanta saudade, uma eternidade inteira num grão de areia... Ao terminar, ela fez esta observação maravilhosa:

-Pois é, professor. Na idade da gente, a gente não mexe muito com sexo. A gente vive de ternura!

Aqui termina a lição do Evangelho.
(Rubem Alves)

                                            (imagem google)