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terça-feira, 30 de maio de 2017

TERCEIRO ENCONTRO

Tivemos nosso encontro na semana passada. Foi um momento de grande acolhimento e afetividade.
Como o conto que usamos é um tanto longo - mas tenho certeza que vale a leitura - não vou comentar sobre as reflexões da roda de conversas.
Mas desejo que ao ler, sinta dentro de si, a brandura e a alegria, de quem acaba de despertar.

          BRUXAS E COMO DESFAZÊ-LAS 
                 
Quem não sabe ficar sozinha acaba virando Bruxa. Bruxas são seres opacos, que vivem orbitando seres radiantes. Por isto se vestem de preto. Desativaram seus dinamismos de irradiação. Congelaram-se e não têm calor próprio. Precisam a todo instante de calor alheio e vivem distribuindo baldes de água fria.
Têm medo de seu próprio calor, e por isso vivem sendo queimadas em fogueiras. Têm medo de se aquecer e derreter. Têm medo do sol e vivem voando à luz fria da lua.
Vivem se metendo onde não são convidadas, pois suas casas são sempre muito mal arrumadas. Suas vassouras não cuidam da casa nem alisam o chão. Suas vassouras são cavalos secos que transportam inveja. Inveja que seca os pássaros e tudo o que seja caro a qualquer criatura.

Têm verdadeiro ódio de serem esquecidas. E por isso enfeitiçam as pessoas. Modo macabro de se fazerem presentes. É como se dissessem:
– Não te esquecerás nunca de mim e sempre que qualquer coisa começar a te aquecer com seu lado encantado, eu te congelarei de medo. É preciso que fiques sozinha como eu. Para que tua solidão me faça companhia.

Têm medo da chuva e de tudo o que possa umedecer e fertilizar a terra e dar vida a qualquer semente. Por isso são secas e enrugadas. Secam até os sapos, que são bichinhos que gostam de chuva e podem se transformar em príncipes.
Bruxas são seres que desistiram de toda beleza. Murcharam. E que culpam as outras pessoas por isso. Tornaram-se feias por abrir mão de toda bondade. Secaram. Vestiram trapos de escárnio para ostentar todo seu ressentimento. Tornaram-se más para não sentir culpa. Foram vencidas pelo medo de não serem amadas. Encrespadas proclamam:
– Não sou amada porque não quero. Prefiro ser feia e ruim.

Não suportaram o risco de serem ou não amadas. Desistiram e, por um artifício defensivo do orgulho, preferem se destacar por qualquer coisa de feio. Colocam verrugas no nariz.
Bruxas cozinham em caldeirões de seu próprio ser, fétidas misturas de covardia e pretensões. Covardia, pois tendo fugido do amor preparam vinganças à traição. Pretensão, pois tendo se afastado do amor, querem por força permanecer dentro dos outros. Se encheram de reclamações contra o mundo e perderam a possibilidade de se encantar. Bruxas não vibram, estremecem. Não adormecem nem podem despertar. As bruxas estão congeladas de medo. Por isso gostam tanto de assustar os outros.

Para desfazer uma bruxa, são necessários uma montanha de brandura, dois lagos de tranquilidade e uma floresta de algodão. Uma montanha de brandura para acolher todas as chispas, fagulhas e faíscas com que uma bruxa te recebe. Para que não te magoem todos os acessos de ruindade com que uma bruxa procura escapar do tédio. Não te magoes, pois isto poderia fazê-la se aproximar da culpa e refugiar-se na maldade. Branduras que possam ampará-la ao cair da vassoura. Se não fores indiferente, cairá ao não conseguir te ferir. Com isto ela estará encurralada no tédio. Não poderá escapar via maldades. Aqui começa o caminho de volta de uma bruxa. E começarão as angústias. Pois debaixo de cada pedra de tédio existem angústias. Tédios são desvios errôneos com que se buscou evitar sofrimentos. Por esta estrada de volta, as primeiras paisagens são nuvens carregadas de culpa. Todas, muitas e a mais grave: o que fez a si mesma.

Por esta altura já se farão necessários os dois lagos de serenidade. Com suas águas poderás acompanhá-la por todos os abismos, depressões e grotas congeladas que constituem seu desespero. De ter ido tão longe. De ter cultivado tanto ódio, tanta inveja, tanta covardia, tanto orgulho. De se Ter afastado tanto do amor.
Não a deixes sozinha nestas paragens geladas. Ela começa a sentir frio. E esta é a única maneira de se degelar. Não se abandona ninguém, nunca, durante a nevasca. Há riscos de que se perca na neve. Terás de acompanhá-la como a água dos lagos. Água não teme cair. Água não quebra, não tem forma própria. E terás de cair, cair, cair. Como a chuva.

Por fim, num vale em fim de inverno, com a floresta de algodão se tecerá um casulo. Para que a quase ex-bruxa possa se aquecer muito, muito devagar. Mas devagar mesmo, pois que a têmpera do amor é tal que sua força jaz em poder amolecer, derreter e não perder forma.
Do casulo há de sair uma linda borboleta de primavera.
No verão, a borboleta-quase-mulher aprenderá a tecer ninho com as andorinhas. E a guardar tanto calor em seu ventre-colo-seio que será capaz de gerar, aquecer e alimentar sementes e esperanças quando chegar o outono.
Com a proximidade do inverno, há de se lembrar da avozinha que sabia – imaginem! – ficar sozinha. E tricotar. E lembrar. E contar histórias.

Sabem como a avozinha terminaria esta estória (história)? Ela diria:
– E por aquela porta acabou de ir embora uma bruxa. E por esta janela se podem ouvir os pássaros e ver o céu. – E aqui dentro quem procurar… Encontra uma mulher.

(PAULO BARROS)

                          (imagem google)

10 comentários:

  1. Bom dia! Vale lembrar que também existem bruxos...não é privilégio das mulheres ressecarem seus sentimentos :)
    Muitas pessoas esquecem de acender sua luz própria e vivem ao redor das luzes alheias. Mesmo Jesus é usado como uma espécie de "escora" ao redor do qual as pessoas gravitam, esquecendo-se de que ele mesmo falou: "Vós sois deuses". Temos dentro de nós a luz espiritual eterna que é una com o Criador, mas envolta em camadas e camadas de erros, vícios, artimanhas egoicas, vaidades...quando lançamos luz sobre nós mesmos, esta luz irradia, bondosamente, a quem quiser sentar-se ao nosso lado. E seremos bruxos e bruxas boas, aquecendo chás curativos e sopas generosas em nossos caldeirões.
    Um grande abraço!
    Bíndi e Ghost

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  2. Que conto intenso! Nunca antes eu teria pensado assim neste arquétipo da bruxa...
    Deve ter sido igualmente intenso a troca, as reflexões de um grupo bem aquecido!
    beijo

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  3. Sônia! Olá!
    Que história profunda e completa! Uma faceta da bruxa que é intensamente real. E como perceber esta faceta da bruxa? Quanto ela se aproxima de nós? Quando estamos bruxas assim? Pois despertas é o que temos que ser, sempre! Uma tarefa a ser cultivada diariamente, pois o véu desce (o como desce) e turva a compreensão.
    Beijocas querida.

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  4. Olá Sônia,

    Um conto espetacular, que gostei muito de ler.
    Interessante a criatividade do Autor ao desenvolver um conto tão reflexivo a partir da imagem das bruxas.

    Excelente partilha!

    Beijo.

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  5. Achei interessante o conto porque ele resgata a figura da bruxa como era no passado (em minha infância, pelo menos, rsrs). Atualmente há quem atribua às bruxas uma índole, vamos lá, "Positiva", como se elas fossem mais corajosas e independentes, bem dentro da ideia do "mulheres boas vão para o céu, já as bruxas vão para qualquer lugar", rsrs. Eu não concordo totalmente com este ponto de vista. Tenho uma certa prevenção contra coisas feitas de modo encoberto e abomino a pretensão de alguém querer alterar as circunstâncias, ou dobrar as vontades de outras pessoas, através de feitiços. De resto, concordo com o texto, todas temos algo das bruxas que precisamos superar, rsrs.

    Beijoca

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  6. Sônia , não conhecia e achei interessante o texto . Creio que o encontro tenha sido bem aproveitado . Bom final de semana . Beijos

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  7. Um texto muito interessante que no entanto não me convence. Conheço gente que não sabe viver sozinho, e não se enquadra minimamente no retrato. Depois o próprio conceito de bruxa, tem muito que se lhe diga.
    Um abraço e bom fim-de-semana

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  8. Querida Sônia,

    Maravilhoso texto, com simbolismos
    interpretados de forma profunda
    e peculiar.
    Apreciei muito a partilha e sempre
    assim no seu espaço.
    Percebo que é um projeto muito
    precioso este seu, proporciona
    ferramentas de conscientização,
    reflexão e organização
    mental-interior.
    Um bom final de semana!
    Beijo.

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  9. Que texto fantástico, Sônia...
    Acho que tem uma, rondando o meu cantinho virtual... é só o que me ocorre dizer... pois este texto, tem palavras que descrevem muitas das suas atitudes e opiniões que tenho podido apreciar da mesma, virtualmente... já faz um tempão!...
    E pensando bem... bruxas... não são tão raras assim, não!...
    Relendo o texto... que achei fabuloso!
    Beijos! Uma boa pausa, e até breve!
    Ana

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  10. Fantástico texto Sónia! E quantas bruxas encontramos no caminho. Gente sem paz,que não se ama,que não aceita ver o outro feliz,que não tem alegrias nas pequenas coisas.Gente confusa,perdida,desorientada que tenta sugar tua energia e ter a paz que tu tens.Ah...quantas bruxas vagam por ai...eu corro delas.beijinhos

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